No salão onde eu estava, havia muitas proltronas. Projetadas para acomodar mais ou menos duzentos e cinquenta pessoas confortavelmente. Observei que ao lado da porta, próximo à saída, uma mulher, com aparência de senhora e meia idade, balançava a cabeça fazendo gestos, conversava sozinha, parecia viver num mundo só dela, e mesmo o salão estando cheio durante a palestra, ela não mudava os trejeitos, e nenhuma palavra era pronunciada. Apenas balançava a cabeça e fazia gestos. Percebi que um a um iam saindo e ela parecia não estar com pressa. Me dirigi até ela, me sentei, fiquei observando sua reação. Reação essa que não veio.
Quando todos já tinham saído o zelador do salão se aproximou nos pediu licença, as luzes deveriam ser apagadas, as portas e janelas fechadas.
Estendi minha mão, ela a segurou e saímos sem dizer nada, caminhamos até uma pequena praça, nos sentamos permanecendo mudos, parecia loucura. Ela me parecia doce, carinhosa, feminina, alegre, feliz e em paz. O que eu estaria lhe parecendo? Cada minuto que passava, a vontade de falar me fugia e ganhava um minuto de paz.
O mesmo zelador do salão era o zelador da praça, e além disso, conhecia cada paciente dessa clínica. Se aproximou fazendo cara de estranhesa:
- Oi dona Zuleica, tá tudo bem? - ela nem olhou em sua direção.
- E o senhor, tá tudo bem? - ele não percebia o que estava interrompendo era um momento mágico.
- Sim, comigo está tudo bem! Zuleica, você disse que o nome dela é Zuleica?
- Sim, é por esse nome que todos à chamam, mas não adianta, ela parece não ouvir, falar, nunca falou um "a", fica fazendo gestos, balançando a cabeça. Se você a põe sentada na cadeira na mesa do almoço, ela almoça, se por ela dentro do banheiro e abrir o chuveiro, ela se banha, e é assim com tudo, ela não briga, não ri, não chora, não nada.
- O sr sabe o que ela tem? ou quanto tempo que ela está assim? ela tem família?
- Não, eu não sei o que ela tem, ela não toma remédio nenhum para nada, dizem que tem saúde de ferro. Quando vim morar aqui, ela já estava, está fazendo oito anos que estou aqui e ela nunca recebeu uma visita. Um paciente foi pego em flagrante abusando dela, ela engravidou, a justiça autorizou o aborto e hoje todos daqui tem muito cuidado, zelam e protegem ela.
- Sim, e fazem muito bem! - Eu estava intrigado. O que acontecia com a Zuleica?
- Bom senhor, tá ficando tarde, eu vou levar a Zuleica pro quarto dela.
- Seim, claro! ele estendeu a mão, ela colocou a dela por cima e saíram.
No dia seguinte eu partiria no período da tarde, então logo cedo procurei o diretor queria saber mais sobre a Zuleica.
- Cevil , a Zuleica tinha marido e três filhos, era uma família tranquila e viviam em harmonia. A época de férias do marido coincidia com as férias dos filhos, e eles foram acampar numa praia. Acordaram na madrugada sendo assaltados, os filhos e o marido foram assassinados, ela escapou se jogando no mar. Os movimentos que ela faz é o de nadar. Zuleica vê à sua frente somente o mar. O que ela tem é trauma. Não aceita a realidade sem sua família.
- Sr diretor, o sr me permite conversar com dona Zuleica?
- Sim, mas qual o motivo?
- Acho que sei o que aconteceu com ela!
- Nesse caso não poderei permitir.
- Não entendo, porque não?
- O estado dessa mulher é estável, e pode ser perigoso tirá-la parcialmente deste estado. O sr está de partida hoje à tarde, se conseguir "algo" com ela esse "algo" que o sr "acha" não ajudará. Permitir que a leve consigo não poderei permitir, ficar o senhor tambpem não vai poder, então acho mais sensato pararmos por aqui.
- Mas a conversa, que eu "acho" que pode ajudar, tem dois caminhos. Um deles é eu estar errado e não conseguir ajudar, o outro é conseguir ajudar e tirá-la deste estado de uma só vez! Po favor, permita. Dê-me o direito de tentar e a ela o de se livrar?!!!
O diretor pensou durante alguns minutos e respondeu:
- Tudo bem! Com uma condição!
- A que o senhor quiser.
- Pois bem! que não seja uma conversa particular, que tenha testemunhas, eu quero ver as reações e quero que os outros vejam.
- Fechado!
- Sr Rubens! - O diretor gritou pelo nome do zelador da praça que em segundos estava em seu gabinete.
- Sr Rubens, por favor traga aqui a dona Zuleica e a dona Cida.
Todos se ajeitaram no gabinete.
- Aqui estamos! à disposição:
- Bom, diretor eu gostaria que vocês três se sentassem naquele sofá, enquanto eu fico frente a frente com dona Zuleica, ok?
Pronto, agora está perfeito. Vou fazer uma oração, e quero que todos acompanhem só em pensamento, fixando a mente em uma luz branca vinda de cima (céu) ou em uma flor qualquer desde que seja branca.
Após a oração, me concentrei em dona Zuleica, e disse a ela:
- Dona "Zú", vou contar uma história para todos que estão nesta sala, quando qualquer um sentir vontade ou necessidade de se manifestar pode fazer sem medo. Nessa história estão faltando algumas respostas, quem souber que me ajude a contar... Certa vez, prá "espairecer", me sentei numa praia, já era noite, vi uma mulher muito bonita caminhando onde apenas molhava os pés. Caminhava perfumada e bela, mas nem imaginava que eu a observava, fiquei assim um longo tempo admirando sua beleza e perfume. Ela bem que podia ser uma sereia com essas qualidades, mas era negra, estava semi nua. Nunca ouvi alguém dizer que existia sereia negra. Que as sereias eram bonitas, sim eu sempre ouvia, mas negra? isso era doidice da minha cabeça. Me encantei tanto em olhá-la que me distraí e ela me viu de tão perto que podia me tocar, fez uma cara de muito brava, me pegou pelas mãos e me arrastava para o mar.
Eu queria gritar, a voz não saía.
Eu queria forças pra lutar e não tinha.
Eu olhava pra praia, vi um homem dormindo ao lado de duas meninas e um menino ninguém me ouvia. Logo o barulho das águas em meus ouvidos, me deixavam mais calma, e eu queria nadar, nadar, nadar nossa! como é gostoso nadar? Eu sempre tive medo da água, como fui tola, consigo até falar com água entrando e saindo da minha boca.
Agora essa moça linda, negra perfumada até debaixo d' água está falando coisas que não entendo, parece outra língua, dialeto, sei lá, acho, acho, acho que ela quer saber meu nome, eu não sei! Qual é o meu nome? faço força pra lembrar e não consigo, qual é o meu nome, eu preciso saber, preciso dizer a essa moça bonita o meu nome. Meu nome é
- Zuleica! - A Zuleica respondeu!
- Sim, Zuleica, diretor preciso dizer à moça bonita que meu nome é Zuleica.
- Zuleica, você sabe o nome da moça bonita?
- Não seu Cevil, não sei! - Zuleica respondeu com ar de preocupada.
- E a senhora quer saber? - perguntei.
- Sim, eu adoraria.
- Ela é o seu anjo da guarda, ela tirou você da sua família pra você descobrir que ela existe. Ela não tirou você da sua família por maldade não, ela fez assim porque assim era o único jeito de você reconhecê-la.
Ela vai trazer sua família de volta.
Ela vai trazer sua vida de volta.
Ela viveu por você até hoje.
Na nossa religião, dizemos que você estava bolada.
- Me diga o nome dela?
- Digo, se você prometer estudar mais sobre ela, procurar uma igreja, um terreiro um lugar para cultuar seu anjo do jeito que ele é e não negá-lo nunca.
- Prometo!
- Você também pode chamá-la de mãe, o nome dela é Janaína ou Yemanjá.